O exercício excêntrico na prevenção de lesões musculares e performance no Futebol

Nas últimas 3 décadas, tem crescido o corpo de evidência relativamente à eficácia das medidas adotadas para prevenir lesões desportivas primárias e recidivas (Thorborg et al., 2017; Grindem et al., 2016). Todavia, há muito que fazer para alargar e garantir a continuidade da participação em programas de prevenção, i.e., implementar a ciência na vida real, no contexto diário dos atletas e não apenas em cenários de investigação científica. Há que dar o passo seguinte para a implementação comunitária. Os desportos coletivos têm, na União Europeia, uma expressão importante e apesar dos incontáveis benefícios para a saúde e bem-estar, consubstanciam o contexto onde ocorre a maioria das lesões desportivas. A respeito do futebol e da nota que escrevemos interessa saber:

  • Segundo a FIFA, o futebol é praticado por mais de 250 milhões de pessoas em 209 países, o que significa 600 milhões de lesões derivadas da sua prática
  • O risco de lesão nos futebolistas pode ser 1000 vezes superior a profissões industriais consideradas de risco elevado
  • Estima-se uma incidência de 50 lesões desportivas para um plantel de 25 jogadores. Isto quer dizer, que em média haverá 12% de jogadores indisponíveis para treinar ou jogar durante a época desportiva;
  • As lesões musculares representam 1/3 entre todas as lesões no futebol.
  • As equipas com maior incidência de lesões têm piores resultados desportivos, quer nas competições nacionais quer nas internacionais
  • Embora existam programas de prevenção de lesões no futebol que reduzem a incidência em 39% (Thorborg et al., 2017), a implementação está aquém do desejável

 

Muitos dos movimentos do futebolista requerem a produção de força com ênfase na componente excêntrica e multidirecional. Debruçando-nos no Princípio da Especificidade, será necessário juntar ao treino convencional exercícios unilaterais, multiaxiais e com ênfase no trabalho excêntrico (Gonzalo Skok et al., 2016).

A sobrecarga excêntrica

Os benefícios da sobrecarga de treino excêntrico estão bem suportados na literatura científica (Hody et al., 2019). Num estudo de 2015, várias equipas de futebol profissional – 32 incluídas na Liga do Campeões da UEFA – foram inquiridas acerca da aplicação do Nordic Hamstring Exercise (NHE). Embora este exercício tenha um efeito preventivo de 50% do risco de lesões musculares nos Isquiotibiais, concluiu-se que apenas 11% das equipas completaram o programa na íntegra no decorrer da sua época desportiva (Kristian et al., 2015). É fundamental salvaguardar que, em muitos atletas o Nordic Hamstring Exercise não deverá ser a primeira opção da sobrecarga excêntrica. Será importante adaptar a progressão da carga, tendo em conta a sua cultura física ou falta dela.

Lesões musculares e o treino isoinercialOs equipamentos

As ações excêntricas requerem um controlo neuromuscular diferenciado (Enoka, 1997 e Tous, 2003). Equipamentos com tecnologia Isoinercial (Flywheel machine) permitem um transfer de especificidade de treino em vetor horizontal que se sobrepõe ao treino tradicional, já que oferece a possibilidade de movimentos multidirecionais (De Hoyo et al., 2015). O mesmo autor estudou os efeitos de um programa de treino de 10 semanas de sobrecarga excêntrica na prevenção de lesões e performance em atletas de elite (Sub17 e Sub19). Para isso, escolheram-se 2 exercícios em máquinas isoinerciais (Half squat e Leg curl), sendo realizadas 1 a 2 sessões por semana (3-6 séries de 6 repetições). Os resultados indicam que os programas de prevenção de lesões centrados no estímulo excêntrico reduzem a incidência e severidade das lesões musculares, aumentando a capacidade de impulsão e a velocidade em sprint linear (Hoyo et al, 2013).

A prevenção

No contexto da prevenção primária das lesões musculares nos Isquiotibiais, é necessário, em média, envolver cerca de 25 jogadores para prevenir 1 lesão. Diferentemente, num quadro de prevenção secundária, o envolvimento de 3 atletas poderá ser suficiente para prevenir 1 recidiva. Havendo vários fatores que justifiquem este resultado, pode que um resida num grau superior de compromisso que o atleta assume com os programas de prevenção secundária após experienciar uma lesão muscular.

Há que desenvolver mais investigação para identificar os mecanismos pelos quais a sobrecarga excêntrica tem um efeito protetor. No entanto, parece que estão relacionados com adaptações estruturais e funcionais ao nível da matriz extracelular (Allison et al., 2015) e com o facto das desacelerações máximas serem um movimento chave no Futebol (Tous et al., 2016). A maior parte das lesões musculares parece ocorrer no último terço da extensão do joelho. Assim, um trabalho direcionado para determinado setor angular, pode colmatar as fragilidades existentes.

Na inclusão do treino excêntrico no programa físico do atleta, interessa ter em conta as evidências que definem os eventuais riscos e benefícios (Hody et al.,2019):

Benefícios:

  • Ganhos rápidos de força e massa muscular;
  • Aumento da performance em diferentes de parâmetros (velocidade, mudança de direção, salto)
  • Melhoria das adaptações neurais

Riscos (agudos/temporários):

  • Dano muscular induzido pelo exercício e DOMS (Dores musculares de início retardado)
  • Afetação da capacidade funcional muscular (perda de força, diminuição da amplitude do movimento, perturbações na propriocetividade)

 

Take home message

Dentro de um planeamento centrado nas necessidades gerais e específicas do jogador que tenha em conta todas as variáveis que o rodeiam e os objetivos gerais da equipa, o treino excêntrico impacta positivamente na prevenção de lesões musculares e na performance. Para ser seguro e efetivo, o seu enquadramento deve ser feito dentro da periodização de cargas de treino adaptadas para os diferentes microciclos.  Por último, é essencial estimular o grau de compliance do atleta para os resultados serem o mais efetivos possível, i.e., o efeito preventivo decorre de uma dosagem específica, com mínimos. Assim, para obter resultados, há que prescrever mais com factos e menos com preferências e/ou opiniões.

 

Autor do artigo

Nuno Cerdeira

Strenght & Conditioning Specialist / Sports Scientist  FC Porto
Strenght & Conditioning Advisor of Clinica do Dragão – Espregueira-Mendes Sports Centre FIFA Medical Center of Excellence

 

 

Referências bibliográficas:

Enoka, R. M. (1996). Eccentric contractions require unique activation strategies by the nervous system. Journal of applied physiology81(6), 2339-2346.

Gonzalo-Skok, O., Tous-Fajardo, J., Valero-Campo, C., Berzosa, C., Bataller, A. V., Arjol-Serrano, J. L., … & Mendez-Villanueva, A. (2017). Eccentric-overload training in team-sport functional performance: constant bilateral vertical versus variable unilateral multidirectional movements. International journal of sports physiology and performance12(7), 951-95

Hody, S., Croisier, J. L., Bury, T., Rogister, B., & Leprince, P. (2019). Eccentric muscle contractions: risks and benefits. Frontiers in physiology10, 536.

de Hoyo, M., Pozzo, M., Sañudo, B., Carrasco, L., Gonzalo-Skok, O., Domínguez-Cobo, S., & Morán-Camacho, E. (2015). Effects of a 10-week in-season eccentric-overload training program on muscle-injury prevention and performance in junior elite soccer players. International journal of sports physiology and performance10(1), 46-52

Thorborg, K., Krommes, K. K., Esteve, E., Clausen, M. B., Bartels, E. M., & Rathleff, M. S. (2017). Effect of specific exercise-based football injury prevention programmes on the overall injury rate in football: a systematic review and meta-analysis of the FIFA 11 and 11+ programmes. British journal of sports medicine51(7), 562-571.

Tous-Fajardo, J., Gonzalo-Skok, O., Arjol-Serrano, J. L., & Tesch, P. (2016). Enhancing change-of-direction speed in soccer players by functional inertial eccentric overload and vibration training. International journal of sports physiology and performance11(1), 66-73

Grindem, H., Snyder-Mackler, L., Moksnes, H., Engebretsen, L., & Risberg, M. A. (2016). Simple decision rules can reduce reinjury risk by 84% after ACL reconstruction: the Delaware-Oslo ACL cohort study. British journal of sports medicine, 50(13), 804-808.

 

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